Dia desses, li em uma rede social algo interessante sobre os tubarões, que crescem apenas 20cm num aquário, e que podem chegar a 2,5m no oceano. Uma pequena analogia, mas fiquei com isso em mente e passei a refletir sobre as várias situações que vivenciamos ao longo de nossas trajetórias pessoais e profissionais. E no quanto nossas escolhas e as pessoas que nos cercam podem influenciar nossa “estatura” na vida.
O texto não falava sobre a longevidade dos tubarões em uma ou em outra situação, mas creio que, assim como o aquário limita o desenvolvimento, este possa também encurtar sua existência. E quanto a nós? Será que estamos vivendo no oceano ou presos em aquários? Mais do que isso: será que estamos sendo mais oceano do que aquário? A resposta é simples e está em nossos corações.
Várias pessoas me vieram à cabeça enquanto buscava a tal resposta e observava pelas lentes do meu coração: algumas por, afortunadamente, terem se tornado especialistas em fugir de qualquer aquário e estarem sempre em busca da expansão de seus próprios mares e horizontes. Estas mesmas, não por acaso, foram e formam um verdadeiro oceano na minha vida.
Pensei, primeiramente, em minha “pequena gigante”, Sophia Carolina, e em seus manos - os melhores que alguém com autismo poderia ter - Gabriel e Samuel. Lembrei do quão pequenino era aquele aquário, previamente designado a ela quando recebera o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA). Damo-nos conta, a cada dia, do quanto ela já avançou e superou, em muito, várias das limitações que lhe foram impostas.
Digo isso, porque não há nesse mundo maior oceano para o desenvolvimento de uma criança do que o amor que ela recebe. A melhor das técnicas terapêuticas torna-se aquário quando mediada pelas mãos erradas. Existe uma linha muito tênue entre preparar para a vida, estimular a autonomia e treinar, ou mesmo, condicionar à obediência. Por outro lado, intervenções domiciliares, quando repletas de afeto e realizadas com perseverança e alegria, podem ser o oceano de uma criança especial.
Obviamente, terapias são importantes e, muitas vezes, essenciais. Porém, como em qualquer atividade, existem os bons e os não tão bons entre esses profissionais. Assim também é no contexto organizacional e em muitas instituições de ensino. Existem grandes talentos sendo sufocados por questões burocráticas e amarras políticas. Por mais que os temas inovação, inclusão, tecnologia e empreendedorismo estejam em alta, a realidade é que mesmo profissionais altamente qualificados ainda transitam em alguns aquários disfarçados de oceano por aí.
Ainda temos muito a implementar, em vários aspectos, para experienciarmos uma sociedade verdadeiramente justa e inclusiva. Entretanto, talentos empreendedores plantam sementes e, com o passar do tempo, geralmente espalham positividade nos ambientes nos quais convivem. Contudo, migrarão em busca de novos desafios se perceberem um solo infértil à mudança e evolução. Quem trabalha por um propósito e acredita em uma causa sempre encontra uma alternativa contra a estagnação.
Dando sequência a essa “retrospectiva”, não por acaso, pensei no meu marido e no quanto admiro e me orgulho desse ser humano inspirador chamado Daniel Martin Ely. Não saberia dizer quantas foram as vezes em que pensei em desistir ou tive medo de dar o próximo passo diante de um desafio, e ele sempre me incentivou a continuar, fazendo-me sair de muitas das minhas “zonas de conforto”. Posso afirmar que, até hoje, nunca me arrependi por ter enfrentado meus medos, ainda que seja preciso um certo tempo para percebermos o quão bom é lutarmos nossas batalhas internas.
Algumas pessoas me ajudaram a dar os primeiros passos para a compreensão do TEA e a encontrar o que considero, hoje, um oceano de possibilidades, não apenas para a Sophia, mas para as muitas famílias que fazem parte do UniTEA, o primeiro Instituto de Autismo da Serra Gaúcha, cuja inauguração ocorreu há 6 meses, após mais de 4 anos de noites de estudo, muito trabalho e dedicação. Em pouco tempo, o Instituto tem mais de 70 famílias associadas e mais de 2000 pessoas impactadas.
Em 2013, li um artigo Dr. Alysson Muotri sobre TEA falando em futuro, neuroplasticidade e esperança. Foi ele quem, mesmo sem saber àquela época, me motivou a buscar uma forma de contribuir, ainda que minimamente, com esta causa tão carente de apoio e incentivo. Neste ano, o Dr. Muotri ampliou significativamente seu oceano. Enviou minicérebros para o espaço, segue fazendo história e batalhando em seu laboratório pelo Ivan, seu filho, e por todos os outros “filhos” do Autismo.
Por fim, minha amiga de longa data, Andréia Belusso, que se fez presente em momentos nos quais receber um abraço ou um gesto de carinho fez toda a diferença. Foi assim na primeira semana de vida da Sophia, na Argentina, e, posteriormente, em nosso primeiro Natal nos Estados Unidos. Ao final deste pequeno capítulo, deixo um agradecimento aos exemplos de oceano que encontrei pelo caminho. Vamos ser oceano na vida de alguém?
Imagem: Google
Texto: Raquel Ely
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